Aos meus nós
Não era nada simples. Primeiro passava alguns dias conversando com eles, negociando. Pedia-os que se acalmassem, que facilitassem o trabalho, chamava os nomes de fofoqueiras para soltar os nós.
Me lembrei dos nós que desfiz para me formar assim, essa imagem...
Há um tempo atrás, na minha família dizia-se que bonito era estar sempre aparado, cortado, limpo. Era assim, visual limpo e bem tratado.
Lembro-me do contrassenso...conheci pessoas maravilhosas limpas, tratadas, mas pouco aparadas e o que sempre me admirou foi essa inteligencia que parecia morar nas voltas crespas que levavam na cabeça.
Hoje estou aqui...
Me lembro que passeava até a faculdade e olhava a copa das árvores, eu via nelas as formas que queria na minha cabeça...engraçado...gostaria que fosse diferente, mas não foi uma consciencia, nem moda, nem o movimento black power. Eles me invadiram pelas copas das mais altas e bonitas árvores. Queria ser como elas. Queria ter aquelas formas. Mal sabia que ao optar por esse visual plântico eu receberia toda uma gama de elogios e interditos. E eu ainda estou com eles esse mundo crespo de significações...essa metamorfose de um mim escolhido e não predisposto por uma conduta mais aceitável de beleza. Hoje olhando no espelho me sinto devolvido aos meus traços, aos meus gostos, a minha beleza. Continuo conversando com eles...a dor do desembaraço é uma lembrança do tipo de luta que meu corpo trava todos os dias. O desembaraço é demanda da cor. a dor é o prazer de meu corpo liberto e integrado àquilo que escolheu para si. Nunca te escrevi carapinha, saiba que te amo assim como amo cada a célula da minha pele que hoje estão livres graças aos ancestrais geradores de uma cultura que tem como marca sobreviver.


