sábado, 10 de novembro de 2012

Aos meus nós



Não era nada simples. Primeiro passava alguns dias conversando com eles, negociando. Pedia-os que se acalmassem, que facilitassem o trabalho, chamava os nomes de fofoqueiras para soltar os nós. 
Me lembrei dos nós que desfiz para me formar assim, essa imagem... 
Há um tempo atrás, na minha família dizia-se que bonito era estar sempre aparado, cortado, limpo. Era assim, visual limpo e bem tratado.
Lembro-me do contrassenso...conheci pessoas maravilhosas limpas, tratadas, mas pouco aparadas e o que sempre me admirou foi essa inteligencia que parecia morar nas voltas crespas que levavam na cabeça.
Hoje estou aqui...
Me lembro que passeava até a faculdade e olhava a copa das árvores, eu via nelas as formas que queria na minha cabeça...engraçado...gostaria que fosse diferente, mas não foi uma consciencia, nem moda, nem o movimento black power. Eles me invadiram pelas copas das mais altas e bonitas árvores. Queria ser como elas. Queria ter aquelas formas. Mal sabia que ao optar por esse visual plântico eu receberia toda uma gama de elogios e interditos. E eu ainda estou com eles esse mundo crespo de significações...essa metamorfose de um mim escolhido e não  predisposto por uma conduta mais aceitável de beleza. Hoje olhando no espelho me sinto devolvido aos meus traços, aos meus gostos, a minha beleza. Continuo conversando com eles...a dor do desembaraço é uma lembrança do tipo de luta que meu corpo trava todos os dias. O desembaraço é demanda da cor. a dor é o prazer de meu corpo liberto e integrado àquilo que escolheu para si. Nunca te escrevi carapinha, saiba que te amo assim como amo cada a célula da minha pele que hoje estão livres graças aos ancestrais geradores de uma cultura que tem como marca sobreviver.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

A minha Oxum

Ah Senhora das Águas! 


Quando você me toca fico 


sem hora das lagrimas, 


do pranto, 


do canto 





eternamente sem hora das águas.



sexta-feira, 23 de março de 2012

Reflexões sobre aulas em Paripe

Ah esses caminhos de mangue e estrada me roubam
Eles me zooneiam às avessas e sigo-o na linha da estrada...
Perco-me em pensamentos...
Qual a minha real necessidade?
Minha linhagem é essa...
Esse bicho que me atormenta
O auto-questionamento necessário
Pergunto as minhas teogonias pagãs
Pergunto ao trilho, o mar, a lama
Desisto! Não vou conseguir!
E choro...
Refluo desse eu...supostamente fraco. O choro dos meus demônios...
Não sou capaz! E choro mais, a cabeça dói até descobrir...
Chorar é um ato de força e coragem
Descubro...
Atrás da cachoeira que margeia esse mundo barroco-postal...
Há pedras antigas
pedras de raio, pedras de rio, pedras de mar, pedras de trilho
E ouço o grito rasgado do índio que me margeia dizendo
Chorar, meu filho, é se recolocar no lugar que já nasceu seu ser
Grite! Chore, mas ande!
Adiante Guerreiro-gentil...
Ande sobre todas as águas, mas com as pedras firmes nas mãos
Ande meu Gentil-guerreiro, mostre a ponta do ofá
E rasgue delicadamente os limites do provável
Suplante as estatísticas, rasure...
Ande Guerreio sobre as águas e mostre o milagre
que te ensinei a viver...

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Kabiesile

Seis vezes a medida da direita
seis vezes a medida da esquerda
uma decisão
Xangô
Não há pendor, balança equilibrada
Me cavalga meu pai
Quero meu corpo forte para me carregar com seu axé
Para carregá-lo, cavalo que sou
Kaô, Kaô
Meu pai gritou na minha cabeça
O jogo fechou
E ali só a justiça pairou
Silenciosa, solene, forte, como se depois de um trovão
junta-se os cacos e o caos dos seus Kaôs fez a dúvida em pedaços
Construída agora sob a sua ótica, honesta, justa, gozadora
Kaô meu rei corta com seu machado as pedras e lança meu pai
Lança no meu destino
Seja, como senti hoje, eu e você
Dono de meu Odu
de meu ifá...
Pai deitarei um milhão de vezes a cabeça no chão
porque você grita agora na minha cabeça
Que hoje é benção e salvação.


sábado, 4 de fevereiro de 2012

Vultos sem fusos


Meu olhar fotográfico, congelador, condensador, fixa o alvo.
Aponto o ofá, miro a seta. Pronto para atirar, só vejo a imagem ora esmaecida, ora nítida...
Esse movimento da estrada em viagem, esse movimento da queda inesperada, do empurrão, do avião...
Esmaecidamente, eu-caçador, debato-me tentando apreender, aprender, aprisionar o cheiro, o gosto, o momento...
Senta-se ao meu lado e ao mesmo tempo está firme no palco.
Olho com espanto e ele me diz:

Minhas faces são muitas, minhas linguas todas...
Porque espantas de ver aquilo que carrega?
Tomo chapeu do compadre e visto-me inteiro com sua roupa quente...
metade vermelho, metade preto
Para causar a confusão de meus vizinhos que discutem direita e esquerda, qual cor é a verdadeira...
Eu de chapéu concluo : Não importa a verdade, importa se a liberdade é preta e a luta vermelha(tudo cabe aqui na roupa, na camisa, na alma)

E continua:

E eu sou, vou e sempre serei a eterna confluência,
a morte do signo fixo e da verdade
A vida da dúvida
sou encruzilhadas eternas,
eternas movências,
o que esmaece é um nada do que consigo ser e não ser,
meu nome compadre é o que você tem ou não tem!

Sim!...Sim?...Não?...Não!

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Horizonte no subúrbio ferroviário

Miro esse lugar com um desejo tão estranho...
Sempre fui órbita dele...mas parece que, na realidade, me desprendi do núcleo violentamente algum dia...perdi a  memória e estou aqui. Magnético.
Orbito com estranheza e familiaridade...
Isso é o que frequentemente chamo de ancestralidade.
Acho que minha terra é essa, mas sempre foi aquela que vivi.
Uma saudade daquilo que não vivi, mas sei ter vivo no meu peito...
Miro da janela com familiaridade estranha, esse horizonte e o cantor da playlist que fala de um lugar do crepúsculo..."no dia em que você foi embora..."
Me pego sorrindo e chorando pela coincidência e beleza do instante...
Sei que estou em outra ponta de uma realidade...
Os manto branco de franjas vermelhas, torna-se um manto vermelho de franjas brancas, lembro-me do autor de Igreja do Diabo...
Enquanto isso converso com testemunhas de Jeová que tentam me convencer de uma verdade estabelecida e permaneço dançando na minha mente para Ogum-Xoroquê, lembro-me da dinâmica do caminho, do trem, ebós...lugares-perfeitos...
Não vou ser indelicado com ela...foi tão paciente para tentar não parecer o óbvio dentro desse excesso de botões nesse calor infernal. Tentava disfarçar-se de transeunte normal para dar o bote e "vaaal", salvar minha alma. Entendo-a esse é o princípio de sua doutrina, não gosto de ser agredido na minha e ela, pela educação, também não merece.
As vezes também tento não parecer o óbvio, me disfarço mesmo, sem perder meus princípios...os parâmetros são móveis...vivemos numa sociedade em que o poder é disputado por grupos e mais grupos sociais que brigam por sua identidade...mas somos tão híbridos...tão pós-coloniais, tão sofridos...
Entendo minha amiga e a trato com educação, pois não falou mal de nenhuma religião, mas volto à paisagem com o intróito de que Deus(Zambi e Kaia pra mim) é tão maravilhoso...com essa paisagem...
A minha vida me deu muitas alegrias e percebi que essas coisas simples são as mais importante...abraço a irmã camuflada e recebo sua benção, não me importa o código dela...tivemos empatia...
Volto ao lugar, que coisa linda, minha Kaia...
Ai que desejo de viver aqui....
Ponto final do trem
Desço triste e completo ao mesmo tempo...como quem se lembrou do brinquedo enterrado no quintal depois de 20 anos e sigo o caminho de sempre, mas sei que não para sempre...caminhos de me achar...caminhos de me perder...

Transcendental

De repente entro naquela minha parte referente ao legado ancestral. É o corte no tempo e no espaço o orixá. É saber ter testemunha espiritual da sua vida corrente, contemporânea. É a reaproximação com a África pelos signos e não é a África. É o corte no espaço e no tempo o Sarau Black. É ressignificar inumeras vezes para contemporaneidade uma luta jamais esquecida. É o espaço do fazer e ser, sem silêncios, sem censuras. É a arte do pessoal biógrafa. É o ser telúrico. É exu. É Nelson MAca Maca em tentáculos braços de uma resistencia e uma reexistência assustadoramente contemporânea, quente, afim. E eu sentado arrepiado me sinto redescoberto, quilombola, Angola, um ser espiritualmente reenergizado com meu povo, com meu sangue ali. Obrigado Maca!

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

O legado

À Ana Maria e Um Defeito de Cor...

Sou eu Kehinde de Dahomé!
Orfã de tudo.
Até de mim mesma...
Numa parte que não me é inteira
Uma parte pingente e pungente..
Eu individual e coletiva
Eu polifônica

Fiz meu batizado quando decicdi que não seria carneiro
Meu sacrifício é outro
Entrego o meu corpo ao lado contrário
Meu sacrificio é intenso movimento
Eu que sou filha de Oxum e não tive morada fixa

Aqui estou navio adentro num périplo
Cheguei no escuro e voltei no escuro
Recebi de minha avó o deká,
Agora é seu Geninha!
Você que também perdeu cedo como eu...
Perdeu no seu corpo.

Deixo o meu legado...

Cultura

Sou fraturada
Sou, ao mesmo tempo, erudita e oral
Sou oral
Porque devia isso aos meus
Tinha que passar o relato..

Minha irmã Taiwo é Ana Maria, sim.
Era ela que estava o tempo todo em meu pingente.
Pungente
Ana é seu avatar, seu reencarne contemporâneo.
Taiwo dentro dela a fez militar por mim.
Por um revide,
por uma reescrita

Minha irmã!
Por Olorum (Deus ou Zambi)!
Não se preocupe em inventar
Você tem o melhor de mim
E o poder de revolucionar essa história
E continuar a minha linhagem e a de meu filho,
Depois de Geninha, que agora recebe minha herança.

A história tem um espírito
Eu moro na casa dele
E daqui também completo nos leitores
Aquilo que só o axé dá conta.
Cansada demais para continuar em cartas
Respondo agora nos corpos interditados
Que de mim agora herdam movimento...

Sou parte da carne mais barata do mercado, mas garanto estou encarecendo...

MARIA toda maiúscula!

Cansada dos estereótipos coagulantes, Maria respondeu:
Não lavo roupa!
Não vou com as outras, tá?!
Nada de Gasolina!
Entra no carro e cala a boca, seu puto!

On

Pensando sobre prioridades na vida me peguei dentro do redemoinho que planejei, mergulhado em conjuntos de leituras e idéias afins, transdisciplinar, africanizado, amadurecido...
Pensando sobre prioridades descobri que sem querer estou preso na gaiola que sempre quis...
Dei uns passos em falso, é verdade...mas quem não deu?
Estou aos poucos chegando onde sempre quis e melhor, com plena consciência do que preciso
Pensando prioridades descobri qua vida tem dentaduras de marfim para mim e pelo espelho do ônibus sorri pro chão rodando e jurei por minha ancestralidade que minha vida será eternamente on the road...

Cotas

E quem sou eu nesse mar sem fim de mendigos pretos, porteiros pretos de um céu branco brasileiro?
E quem sou eu nesse céu que vê branco como ascensão, desde a escola e todos os romances de brancuras ?imensas e cozinheiras belzebus,
Até sabugo de milho é gente!
E que sou mesmo no meio dessas roupas alvas que são sinônimo de macumba, nunca de medicina?
E eu mesmo q sou negado a ver macumba como terapia, porque seu nome me é repassado deturpadamente.
Eu que entendo meu sangue afro-indígena e choro lendo Risérios, Freyres, Ribeiros, Rodrigues...passeando entre raiva, vergonha e rancor.
Quem sou eu nesse mundo epistemologicamente hegemônico que me faz redescobrir o quanto fui treinado para me auto destruir e perceber em meio às muitas leituras que me consomem de dor e prazer, me conclamam ouvir de um semelhante tamanho absurdo que temos direitos iguais?
Morro duas vezes por tentar explicar a tão difícil estatística que reaparece dia a apos dia na minha luta por posições dignas de trabalho os filhos dos meus Oxossis, Oxuns, Xangôs, Nanãs e tupis.
Morro e escorro dez mil vezes toda vez que uma pele rasurada se mostra como uma perfeita bomba-relógio pronta para destruir um trabalho coletivo em detrimento de uma opinião irrefletida e incultida pela hegemonia para continuar manipulando o poder.
Morro e remarco com o ejé de mim mesmo e oferendo-o em meu Exu para me dar força de impedir que os meus irmãos se matem  e que o plano do discurso da "igualdade" dê certo, mesmo que a célula branca em posição de poder tenha como núcleo uma gema de ovo, mesmo que seja visto a olho nú o absurdo que é ter cotas no Brasil para nos lembrar dessa maldita dificuldade de vencer e reafirmar o discurso de que ter nascido negro é o mesmo que deixar as costas prontas para sobrepor suas capacidades para provar o improvável?

NÃO SOMOS IGUAIS
Ofereço-me Exu para que me de forças para conseguir outro absurdo:
Não quero que seja difícil para mais ninguém suplantar as estatísticas... a favor das cotas, pela minha historia e pela historia q não quero repetida!