terça-feira, 3 de maio de 2011

Sangria



Meu corpo sentia a profundidade difusa da veia penetrada e invadida por um líquido estrangeiro.
O bem-estar custa parte da vida doada ao capital. A carteira assinada, o ponto, em ponto e todas as satisfações cabíveis.
Ao meu lado jazia alguém que previ derramável. Seu rosto colérico e as veias alteradas me disseram. Minhas veias continuavam a responder. Sim, era pressão alta e o indiquei a cuidar da cólera. "É...o seu pote é cheio e se você se irrita ferve e derrama, dizia eu.
Engraçado que quando derrama não volta mais...
AVC...
O soro descia lentamente, uma falha no catéter, um vazamento causando um gota a gota e ao meu lado a cólera desfazia-se.
Quando cheguei eu vi a impaciência e ali eu dava muito mais do que conselhos.
Simbioticamente trocava minha moderada parte colérica e recebia a dele inflamada e dissipava aos poucos.
O soro desceu mais rápido, minhas veias alteravam mais e mais e eu notava sua calma no ambiente branco de estofaria preta.
O Profenid me invadia mais rápido e analgesiava o escambo energético, minhas veias pululavam.
Cochilei...
Em questão de segundos notei que ele cochilava ao meu lado e quando, de súbito acordei, o soro seco dava lugar ao sangue. A gotas transparentes se misturavam no chão branco. O piso de cor fria recebia o sangue quente e os matizes gélidos das minhas gotas de sangue púrpura e formava uma flor.
Assustado gritei: Enfermeira!
E pensava...já chega! Já me dei demais! Dei meu sangue. Preciso sair daqui. Preciso fugir.
Saí com os devidos curativos deixando para trás, meu paciente adormecido, minha alma nele e minha flor de sangue.
Sangrava...

Sangria.

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