quarta-feira, 30 de março de 2011

Pedra plumada

 


Tinha acabado de conferir o absurdo na minha conta corrente. Definitivamente não há elemento surpresa mais devastador na psique humana assalariada do que Contra-cheque. Acho na maioria das vezes que deveria mudar o nome para Contra, apenas.
Desesperado tive uma crise de identidade financeira, desisti da aula e peguei um ônibus, resolvi, vou rodar toda a cidade pra ver se o estômago desembrulha. Peguei um tal de São Caetano na frente da Ufba e quando me sento esperando encontrar vendedor de "MENNORATO" que insiste em acomodar a palavra escrita Mendorato(o tal amendoim coberto).
Sento na frente atras de duas senhoras que me convidam a sair do meu mundo sofrido de assalariado. Peguei o assunto pela metade, mas cheguei exatamente na hora que ele chamava algum ser de "Mi-se-rá-vel".


- Miserável menina, você acredita que aquele miserável...
- O ponto é aqui menina, vixe quase que passa...

Pronto! Fiquei pasmo porque não conheci o motivo de tal ênfase, mas não deixei de perceber uma coisa interessante. Porque as senhoras mais idosas se chamam de menina? E comecei a formular possibilidades linguísticas, extra-linguísticas até novamente me abster e me concentrar em outras pessoas. Quando ouvi:

- Venha cá, você tá onde? Eu tô aqui com minha filha.
Quando olho discretamente para atrás o senhor com oito anéis nos dedos e uma corrente no pescoço retirava o relógio e punha no ouvido. Apertei o olho duas vezes e olhei de novo me benzendo achando que eu estava surtando. Bem, por via das dúvidas vou olhar. Quando pela segunda vez olhei, o senhor bigodudo estava mesmo com o mostrengo no ouvido e falava, para vergonha da filha que deixava isso bem claro enquanto olhava pela janela fingindo não conhecê-lo.
Respirei fundo e me concentrei para não rir.
Mas para minha surpresa ouvi um som de acordeon(sanfona) que não era de forró lá no BG tipo trilha de novela. Me espichei para frente(já com medo) para olhar e vi uma cabecinha balacando ritimada e reconheci o som era o tal do PanAmericano. Havia uma senhora felicissima com seu aparelho e convulsivamente se balançava ouvindo a musiquinha repetitiva e gostosa (melhor do que vai sacudir, vai abalar, vamos combinar?) e eu dei de rir na janela pela felicidade dela que parecia acabar de adquirir o aparelho,  de repente a música pára e eu levando a cabeça e ouço:

- tou inno pela Barra, na Barra, vou descer na Barra e você fazennu quê...O sol tá lindo...Tou descennnu, tou descennu...

Desceu. E ela repetia essa missa com um sorriso no rosto e com ar de admiração e eu ria da singeleza daquilo tudo e pensava:
Não tenho grana, mas tenho celular, não gosto de relógio, mas tenho anéis, não tenho pai, mas tenho os onibus de Salvador para me lembrar qua a vida continua, sempre. Mesmo com o maldito contra.

Panamericano para vocês e a foto do relógio celular do meu bigodudo preferido....



Abraços.

P.S.: Ainda sem correção, pressa para trabalhar....

Nenhum comentário:

Postar um comentário